08 outubro 2006

Caixa Preta

A colisão entre o jato Legacy e o Boeing 737-800 da Gol ocorrida em 29 de setembro de 2006, no céu de Mato Grosso, ocasionando a morte de 155 pessoas, foi considerada o maior desastre aéreo da história brasileira.
As investigações sobre o acidente estão sendo conduzidas pelas autoridades competentes e, para isso, a contribuição decisiva será dada por um aparelho cujo nome é bastante conhecido até por quem não tem grande familiaridade com navegação aérea: a caixa-preta.
O que é, e como funciona uma caixa-preta? Pouca gente sabe, e talvez tenha sido surpresa para muitos, que o aparelho, na verdade, não é preto, mas laranja - uma cor berrante que facilita sua localização em meio aos destroços, não importa onde a aeronave tenha caído.
Além disso, a caixa-preta não é um único artefato, mas dois: o CVR, abreviatura de Cockpit Voice Recorder, que grava o que se fala na cabine do piloto, e o FDR, Flight Data Recorder, que grava os dados técnicos. Atualmente, os modernos FDRs chegam a gravar mais de 300 fatores do vôo. As normas internacionais exigem a gravação de pelo menos 88 dados.
Uma vez encontrada, a caixa-preta é inserida num simulador de vôo, que possibilita reviver o momento do desastre. Para isso, naturalmente, a caixa-preta deve, por assim dizer, sobreviver ao acidente e conservar-se praticamente intacta, de modo que os dados não se percam.
Instaladas na cauda do avião, as caixas-pretas são feitas de materiais muito resistentes, como aço inoxidável e titânio, capazes de suportar uma aceleração de 33 km/s², uma impacto de 3.400G (1G= força de gravidade da Terra), temperaturas de até 1.100º C por uma hora, e pressão aquática em profundidades de até 6.000 m.
O teste de qualidade de uma caixa-preta, por sinal, é bastante significativo: ela é colocada num canhão que a dispara contra uma parede de concreto, e após isso seus equipamentos de gravação - atualmente uma placa de computador, antes eram fitas magnéticas - devem permanecer intactos.
Agora, algumas informações lingüísticas e históricas que não deixam de ter seu interesse. Todo mundo sabe que a expressão caixa-preta tem um significado metafórico, que pode designar qualquer coisa misteriosa nas mais diversas áreas.
Na verdade, a expressão surgiu originalmente como metáfora: era assim ("black box") que os pilotos da RAF - a Real Força Aérea britânica - chamavam todas as inovações introduzidas em suas aeronaves, durante a Segunda Guerra Mundial.
No entanto, o que hoje se chama de caixa-preta em aeronáutica, isto é, o CVR/FDR, foi inventado quase uma década depois do grande conflito, por um australiano, o Dr. David Warren.
No início da década de 1950, uma série de desastres aéreos na Austrália levou este cientista, especializado em combustíveis para avião, a idealizar um aparelho que registrasse o que se passava na cabine do piloto e as conversas no rádio. Seu primeiro protótipo, chamado de Unidade de Memória de Vôo, veio a público em 1957.
A princípio, as autoridades aéreas australianas não consideraram a invenção de grande utilidade e houve uma resistência ao seu uso por parte dos pilotos, que se sentiam sob vigilância e viam a possibilidade de ter sua memória manchada pelas sombras da imperícia ou mesmo de pânico ante a visão da morte imediata.
Foram os ingleses e os norte-americanos que acreditaram no invento do Dr. Warren e o introduziram em seus aviões a partir de 1958. Hoje, a caixa-preta é um instrumento de uso obrigatório e as autoridades aeronáuticas são unânimes quanto a sua utilidade.
Texto de Antonio Carlos Olivieri, Folha Online.

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