03 maio 2009

A visão moderna dos gênios

Algumas pessoas vivem em eras românticas. Elas tendem a acreditar que o gênio é o produto de uma centelha divina. Acreditam que houve, no decorrer das eras, modelos de grandeza - Dante, Mozart, Einstein - cujos talentos superaram em muito a compreensão normal, que tinham um acesso sobrenatural à verdade transcendental e que podem ser abordados da melhor forma com um respeito reverencial.

Nós, é claro, vivemos em uma era científica, e a pesquisa moderna desmonta o pensamento mágico. Segundo a ótica atualmente dominante, nem mesmo as habilidades precoces de Mozart foram o produto de algum dom espiritual inato. As suas primeiras composições nada tinham de especial. Eram imitações de trabalhos de outras pessoas. Mozart era um bom músico em tenra idade, mas ele não teria se destacado entre as melhores crianças instrumentistas de hoje.

Atualmente acreditamos que, o que Mozart realmente possuía era a mesma coisa que Tiger Woods tem, - a capacidade de concentrar-se por longos períodos e uma determinação em melhorar as suas capacidades. Mozart tocava piano bastante quando era muito novo, de forma que obteve as suas 10 mil horas de prática bem cedo e a partir daí construiu o seu percurso.

As pesquisas mais recentes sugerem uma visão de mundo mais prosaica, democrática e até mesmo puritana. O fator fundamental que distingue os gênios daqueles que são meramente bem sucedidos não é uma centelha divina. Não é o coeficiente de inteligência (QI) - geralmente um mal previsor de sucesso - nem mesmo em áreas como o xadrez. Em vez disso, é a prática deliberada. Os indivíduos que mais se destacam são aqueles que passam horas (muito mais horas) praticando rigorosamente os seus talentos.

A recente pesquisa foi realizada por pessoas como K. Anders Ericsson, o falecido Benjamin Bloom e outros. Ela foi resumida em dois livros agradáveis: "The Talent Code" ("O Código do Talento"), de Daniel Coyle; e "Talent is Overrated" (algo como, "A Importância Atribuída ao Talento é Exagerada"), de Geoff Colvin.

Se você quiser entender como um gênio típico pode se desenvolver, imagine o caso de uma garota que possua uma habilidade verbal ligeiramente acima da média. Não precisa ser um grande talento, apenas o suficiente para que ela possa obter alguma espécie de distinção. A seguir, você faria com que ela conhecesse, digamos, um romancista, que coincidentemente compartilhasse algumas das mesmas características biográficas. Talvez o escritor fosse da mesma cidade, tivesse a mesma origem étnica, ou tivesse nascido no mesmo dia - qualquer coisa que criasse uma sensação de afinidade.

Esse contato daria à garota uma imagem da sua pessoa no futuro. Coyle enfatiza que isso proporcionaria a ela vislumbrar um círculo encantado no qual algum dia pudesse ingressar. E também seria útil se um dos seus pais morresse quando ela tivesse 12 anos, injetando nela uma profunda sensação de insegurança e alimentando uma necessidade desesperada de sucesso.

Armada com essa ambição, ela leria romances e biografias literárias exaustivamente. Isso lhe daria um conhecimento basilar da sua área. Ela seria capaz de agrupar os romancistas vitorianos em um grupo, os realistas mágicos em outro grupo e os poetas da renascença em um outro. Essa capacidade de agrupar informações em padrões, ou blocos, melhora enormemente as habilidade vinculadas à memória. Ela teria a capacidade de avaliar novos textos de maneiras mais profundas e de perceber rapidamente a estruturas internas desses trabalhos.

A seguir ela praticaria a redação. A sua prática seria lenta, árdua e concentrada nos erros. Segundo Colvin, Benjamin Franklin retiraria ensaios da revista "The Spectator" e os transformaria em versos. A seguir, ele os passaria novamente para prosa e examinaria, sentença por sentença, em que trechos o seu ensaio fosse inferior ao original da "The Spectator".

Coyle descreve uma academia de tênis na Rússia onde simulam-se jogos sem bola. O objetivo é a concentração meticulosa na técnica (tente reduzir a velocidade da sua tacada de golfe, de forma que ela dure 90 segundos. Veja quantos erros serão detectados).

Ao praticar dessa forma, o indivíduo adia os processos automáticos. A mente deseja transformar habilidades voluntárias e recém-aprendidas em outras inconscientes, que sejam concretizadas automaticamente. Mas a mente não é rigorosa, e vai se contentar com o que for suficientemente bom. Ao praticar lentamente, ao dividir as técnicas em pequenas frações e repeti-las, o estudante esforçado obriga o cérebro a internalizar um melhor padrão de desempenho.

A seguir a nossa jovem escritora encontraria um mentor que forneceria uma série constante de feedbacks, observando o desempenho dela de fora, corrigindo os seus menores erros, pressionando-a para que enfrentasse desafios maiores. A esta altura ela estaria trabalhando novamente com problemas anteriores - como obter personagens em uma sala - dezenas e dezenas de vezes. Ela estaria cristalizando hábitos de pensamento aos quais poderia recorrer para entender ou resolver futuros problemas.

A característica principal que ela possui não é nenhuma genialidade misteriosa. É a capacidade de desenvolver uma rotina de prática deliberada, árdua e entediante.

Coyle e Colvin descrevem dezenas de experiências que analisam esse processo. Essa pesquisa retira parte da mágica que envolve as grandes realizações. Mas ela sublinha um fato que é frequentemente negligenciado. A discussão pública está cativada pela genética e por aquilo que estamos inatamente "programados" para fazer. E é verdade que os genes impõem um limite sobre as nossas capacidades. Mas o cérebro é também dotado de uma plasticidade fenomenal. Nós nos construímos por meio do comportamento. Conforme Coyle observa, não se trata de quem você é, mas daquilo que você faz.

Artigo interessante publicado no NY Times e traduzido pelo UOL (http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2009/05/03/ult574u9324.jhtm).

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